quarta-feira, 10 de setembro de 2014

José Eli da Veiga :Quem tem medo de Marina Woolf?

Os intelectuais que votarão em Marina Silva com muita tranquilidade e entusiasmo entendem perfeitamente o atual desespero de seus colegas social-democratas, que preferem as candidaturas petista ou tucana. Nem por isso devem deixar passar calados às tentativas de desqualificação, venham de quem e de onde vierem.
Como ateu -mas, principalmente, como radical adepto do darwinismo generalizado- só posso entender as religiões como frutos da adaptação cultural. Por isso, não tenho dúvida em optar pelos valores humanos que orientam Marina, seja lá qual for a sua íntima crença sobre a origem do Universo e da vida. Além disso, ela nada tem de criacionista, como esclareceu no programa "Roda Viva" da TV Cultura.
O que me interessa é escolher para presidente alguém que realmente respeite um razoável código de ética, em vez de prevaricar, como fizeram Dilma Rousseff e José Serra na campanha de 2010.
Quando surgiu aquela tremenda indignação ecumênica contra a terceira versão do Plano Nacional de Direitos Humanos, lançado em 2009 pelo governo Lula, parlamentares evangélicos e católicos mobilizaram-se principalmente contra a proposta de descriminalização do aborto. Os pentecostais também se posicionaram radicalmente contra o projeto de lei Câmara nº 122/2006, que transformaria em crime a homofobia. Foi assim que esses temas acabaram sendo priorizados na campanha eleitoral.
Pois bem, Dilma Rousseff, que antes se declarara "agnóstica", empenhou-se em não perder sequer uma missa para fingir ser fervorosa católica. Atitude que foi muito bem aproveitada por lideranças e parlamentares evangélicos para cobrar-lhe repúdio a qualquer projeto "contra a vida e os valores da família". Exigiram seu compromisso de veto a projetos favoráveis ao aborto, à união civil, à adoção de crianças por homossexuais e à regulamentação da atividade de profissionais do sexo. Ela se comprometeu com tudo.
A reação da campanha petista também foi de se voltar às hostes evangélicas ressaltando que a terceira versão do Plano Nacional de Direitos Humanos já estava sendo revisto pelo governo, que sua candidata era "a favor da vida" e que, por isso, uma vez eleita, não tomaria qualquer iniciativa de mudança na legislação sobre o aborto, assim como sobre questões relativas à família e à liberdade religiosa.
Ironicamente, a única candidatura com algum peso a fazer campanha laica foi a da terceira colocada, a missionária acreana Marina Silva (então no PV, hoje no PSB/Rede Sustentabilidade), como enfatiza o pesquisador Antônio Ricardo de Souza, da Universidade Federal de São Carlos, no artigo "Meandros da força política evangélica no Brasil", publicado pela revista "Cultura y Religión" no final de 2013.
Não me enganei, portanto, quando em 2006 sugeri aos meus melhores amigos petistas que começassem a articular a candidatura de Marina Silva para a sucessão de Lula. Só vim a conhecê-la pessoalmente em 2008, e nesses seis anos só aumentou minha convicção de que ela teria sido infinitamente melhor para o Brasil do que Dilma Rousseff.
Os valores da missionária evangélica do Acre são infinitamente superiores àqueles preferidos por materialistas vulgares de todos os quadrantes. Basta notar como acatam e justificam a nojeira praticada pelo "peemedebismo" dos dois oligopólios partidários conduzidos por partidos social-democratas.
Em suma, por que deveria eu ter aversão a uma crente que nutre muito mais respeito pela diversidade cultural e pelas liberdades civis do que a esmagadora maioria dos intelectuais petistas e tucanos?
JOSÉ ELI DA VEIGA, 66, é professor sênior do Instituto de Energia e Ambiente da USP e autor do e-Book "The Global Disgovernance of Sustainability"

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