sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

"Amado e Odioso Carnaval" por Tosta Neto

O País do Carnaval é uma das alcunhas mais conhecidas sobre o Brasil, quiçá a que melhor define este país continental. Ao longo do recesso carnavalesco, a programação televisiva é reajustada, as notícias sobre política, mundo e economia ocupam um espaço ínfimo, os bancos fecham, as rodoviárias ficam lotadas, enfim, o país para. Costuma-se falar, que no Brasil o ano só começa depois da balbúrdia carnavalesca.
O Carnaval é um ícone inconteste da identidade cultural brasileira. Mesmo sendo uma festa plantada e germinada pelo catolicismo popular na Europa Medieval, nas terras tupis, o Carnaval assumiu fantasias e máscaras próprias. Da Idade Média até a contemporaneidade, o Carnaval enseja inversões que contrariam a ordem tradicional: homem vestido de mulher, mistura entre sagrado e profano, protagonismo do povo, perda da identidade individual – haja vista a personagem da careta – e a afirmação do pertencimento coletivo (blocos, escolas de samba, “pipocas”).
A “Festa da Carne” tem o poder de transportar o folião para um estado de transcendência, no qual, a realidade evapora em meio ao êxtase do samba, axé e frevo, além de ocorrer uma indiferença fugaz dos diversos problemas que permeiam a existência material e espiritual. O palco-mor do Carnaval é a rua, sugada com todo fervor pela tsunami de foliões. Apesar da tintura democrática, o Carnaval revela a apropriação do espaço público pelo privado e a exclusão dos indivíduos menos abastados, cujo exemplo mais evidente é o império dos blocos em Salvador, conotando um verdadeiro apartheid social; ademais, grandes empresas lucram em demasia, sobretudo, as principais marcas de cerveja e seus contratos de exclusividade comercial.
Em cada rincão do Brasil, o Carnaval despeja confete e serpentina. Milhões de foliões vão à rua celebrar a festa mais popular do nosso país. Lamentavelmente, os brasileiros não têm a mesma disposição para reivindicar por melhorias na qualidade dos serviços públicos, principalmente saúde e educação, setores que estão na lata do lixo no País do Carnaval. Todavia, o Carnaval condiciona também um ambiente para críticas sociais e políticas com fortes doses de sarcasmo e ironia. Por sinal, os bonecos gigantes de Sérgio Moro e Newton Ishii – vulgo “Japonês da Federal” – fizeram muito sucesso nas ladeiras de Olinda, figuras públicas icônicas no combate à corrupção. Senti falta de um boneco do Pixuleco, sem dúvida, seria uma justíssima homenagem para a “alma viva mais honesta deste país”. Uma boneca da Mulher Sapiens, aquela que chamou o Aedes aegypti de vírus, também seria oportuna para a ocasião.
O Carnaval é um símbolo imprescindível para compreender as estruturas sociais mais abissais do Brasil, pois revela inúmeras facetas, angústias e inquietações prestes a emergir do oceano de descontentamento do nosso povo. “Brincar o Carnaval” é a festa passageira por excelência, porque traz à tona personalidades e músicas que não resistirão à ação rija e criteriosa do tempo; daqui a alguns meses, o lixo musical “Paredão Metralhadora”, hino do Carnaval de Salvador neste ano, cairá no poço do ostracismo. O tempo se encarrega de sacramentar a boa música. Por conseguinte, a relação entre o brasileiro e o Carnaval é tão íntima e tacanha, que a quarta-feira de cinzas talvez seja o dia mais triste e melancólico do ano. Parafraseando Nelson Rodrigues, a cada segunda-feira, o brasileiro tem cara de quarta-feira de cinzas.

Tosta Neto, 12/02/2016

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