quinta-feira, 12 de maio de 2016

"Leicester Campeão: a Epopeia do Pequeno Gigante" por Tosta Neto

Os tempos mitológicos são abundantes em grandes heróis, cujas proezas foram cantadas pelos aedos. O herói é aquele que se eterniza, deixando marcas indeléveis na memória. Apesar do desencantamento da fantasia típico do século XXI, alguns fatos quebram as barreiras frias e pessimistas da realidade, entre estes fatos, a Epopeia do Pequeno Gigante de Leicester. Os deuses do futebol estupefatos, prostraram-se diante da conquista do Leicester na Premier League. Meros mortais de diversos países se uniram e torceram efusivamente pelo Pequeno Gigante. Nas minhas três décadas de existência, jamais presenciara tamanho clímax futebolístico.
Leicester é uma pequena cidade de 300.000 habitantes do centro da Inglaterra. O Leicester City Football Club foi fundado em 1884 e, até então, não tinha alcançado o título da primeira divisão. O último campeão inédito do campeonato mais rico do mundo foi o Nottingham Forest, no distante ano de 1978. Sem dúvida, o título do Leicester – prefiro não utilizar o termo “zebra” – foi a maior façanha no futebol do século XXI. O Leicester foi o campeão improvável, cujo plantel contempla apenas a 17ª folha salarial da Premier League. Na temporada anterior, lutou até as últimas rodadas contra o rebaixamento. A camisa do Leicester está avaliada em 1.000.000 de libras por temporada, deveras distante do poderoso e rico Manchester United que ostenta a cifra de 53.000.000 de libras. Prezado Leitor, perceba a absurda valorização: o Leicester vai ganhar 91.000.000 de libras em premiação pelo título.
Os Foxes não apresentaram um sistema tático revolucionário, jogaram no tradicionalíssimo 4-4-2, média de 42% na posse de bola, porém muita objetividade nas finalizações e tenacidade em todas as divididas. O título do Pequeno Gigante consagrou o técnico italiano, Claudio Ranieri, contudo, quando contratado em julho de 2015, despertou desconfiança, por causa do insucesso em grandes times, como Chelsea, Juventus e Internazionale. Ranieri orquestrou com maestria o time do Leicester, influenciando decisivamente no bom ambiente de vestiário, fator refletido dentro de campo. Sem tirar o mérito do exército de Ranieri, a queda de rendimento dos gigantes de Manchester, Londres e Liverpool, também ajuda na compreensão do título imprevisível dos Foxes. Ademais, em alguns jogos, o Leicester foi revestido com a aura “sorte de campeão”.
A apoteose do Pequeno Gigante teve vários personagens, como Morgan, Huth, Drinkwater, Okazaki e Ulloa, todavia, pela extensão reduzida deste texto, destacarei poucos nomes. Kanté, volante, marcador implacável, preciso nos passes, maior “ladrão” de bolas da Premier League, lembra os tempos áureos de Mineiro no São Paulo. Kasper Schmeichel, goleiro ágil e seguro, defesas contundentes, com o título, deixou de ser o filho de Peter Schmeichel, lenda do Manchester United e da Dinamarca, para ser o Schmeichel do Leicester. Mahrez, simplesmente escolhido como craque do campeonato inglês, primeiro jogador africano que ganhou tal prêmio. Vardy, talvez a melhor síntese do título do Leicester, há poucos anos conciliava vida de operário e futebol profissional, disputou divisões inferiores, artilheiro, fez gols em 11 rodadas seguidas, marca inédita na Premier League.
O triunfo do Pequeno Gigante trouxe o romantismo de volta para o futebol. No geral, o expectador torce para o time mais fraco; é algo humano a identificação com aquele que é visto como desprovido de força. A metáfora da vida está espelhada nitidamente na vitória do Leicester, amálgama de superação, garra, persistência, humildade e perseverança. O Leicester provou que é possível realizar um sonho, por mais complicado que ele seja. É possível sim, é possível! É preciso lutar para alcançar um sonho! Lute como os Foxes! Seja como os Foxes! Particularmente, torci bastante pelo Leicester: acompanhei de perto cada jogo, analisei a tabela rodada por rodada, e vibrei com os tropeços do Tottenham e Arsenal. Ainda em êxtase pelo título, coloquei uma foto do campeão no papel de parede do meu computador. Emocionei-me ao assistir a festa do título no King Power Stadium, sobretudo, quando Andrea Bocelli, vestido com a camisa do Leicester, interpretou de forma sublime o clássico “Nessun Dorma” de Puccini; jamais irei apagar das minhas memórias esta doce recordação. Por mais que tenha estudado a campanha do Pequeno Gigante, não encontrei argumentos empíricos e lógicos que expliquem o feito histórico dos Foxes. Não há explicação racional para a Epopeia do Leicester. Entrementes ao vazio de respostas, continuarei a reverenciar o título do Pequeno Gigante de Leicester.


                                                                               Tosta Neto, 12/05/2016   

2 comentários:

  1. Complexamente implacáveis. Focados e seguros. Parabéns ao Leicester pelo título é ao irreverente Professor Tosta pela matéria.

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  2. Quando ouço falar do técnico Ranieri, lembro-me das polêmicas do mesmo envolvendo os brasileiros na época em que treinava o Valencia da Espanha. Marcelinho Carioca sofreu um bom tempo no banco de reservas e, em um caso engraçado, o italiano deu uma bronca em Romário quando este fez um golaço de cobertura em um treino. O baixinho do tetra ouviu as seguintes palavras: "pode parar com gracinhas porque na hora do jogo você não vai conseguir fazer isso". Independentemente disso, trata-se de um bom treinador e que leva o tradicional esquema "catenaccio" italiano como filosofia de jogo inescapável às suas equipes. Estava meio em baixa ultimamente, mas ressurge depois desse título extremamente improvável.
    Uma das coisas que fazem o futebol ser um esporte tão apaixonante é isso: a sua enorme capacidade de produzir o inesperado, o absurdo. Quando acompanhamos outras modalidades esportivas, percebemos a insistente confirmação das probabilidades. Nadal, Federer e Djokovic ganham todos os torneios da ATP; no vôlei, a hegemonia do Brasil superada algumas vezes por Itália, Rússia ou, mais raramente, Estados Unidos; no Basquete, este último país é extremamente dominante e se dá ao luxo de, muitas vezes, jogar com equipes amadoras; na Fórmula 1, há muito tempo a importância do carro superou a necessidade de um piloto talentoso e, quem tem o veículo mais potente, vence quase todas as corridas; Usain Bolt conquista todas as disputas de velocidade... Seria possível dar um sem número de exemplos, mas estes bastam. No futebol, vislumbramos o improvável em todas as rodadas do final ou do meio de semana. Audax superando o Corinthians, Atlético de Madrid eliminando os poderosos Barcelona e Bayer de Munique, o América/MG superando o Atlético do mesmo Estado; a Grécia campeã da Eurocopa, e assim vai... Golias tem sempre receio de Davi. Acredito que o esporte mais popular do planeta reflete de maneira mais contudente a irracionalidade do mundo e, portanto, falta de clareza das coisas, tendo em vista que nem sempre tudo é lógico. O homem sente, também, a necessidade do imponderável e é, entre os esportes, onde isso é mais possível. Usando as palavras do filósofo Albert Camus: "o homem se encontra diante do irracional do mundo. Sente em si o desejo de felicidade e de razão. O absurdo nasce desse confronto entre o apelo humano (pela lógica) e o silêncio irracional do mundo." O futebol é um dos lugares onde "o silêncio irracional do mundo" mais se faz ouvido. Por isso, talvez, o amamos tanto.

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