quinta-feira, 18 de agosto de 2016

Casarões do Vale: História, Memória e Patrimônio

Casarões do Vale: História, Memória e Patrimônio[1]

Maria Fernanda Oliveira Marques[2]

Este texto tem como objetivo divulgar o patrimônio arquitetônico e histórico de alguns municípios baianos do Território de Identidade do Vale do Jiquiriçá – Amargosa, Brejões, Jiquiriçá, Santa Inês e Ubaíra – através da análise da arquitetura de casarões construídos entre a segunda metade do século XIX e a primeira metade do século XX.
A região do Vale do Jiquiriçá está situada numa faixa intermediária entre a zona litorânea e o sertão baiano. O processo de colonização do território ocorreu, sobretudo, entre os séculos XVIII e XIX, influenciado pelo movimento de interiorização, provocado, principalmente, pela mineração e pela criação de gado. Os municípios analisados neste trabalho fazem parte de uma área de predominância rural ao Sul do Recôncavo, onde o cultivo agrícola foi distinto do poderio da produção açucareira, predominando, inicialmente, uma agricultura de subsistência cuja base sustentava-se no cultivo da mandioca, na produção de fumo e na criação de gado destinado, principalmente, para o consumo local.
A partir da segunda metade do século XIX, o plantio do café começou a se expandir na região, tornando-se a lavoura de maior destaque. Contudo, o desenvolvimento da economia cafeeira não teria sido possível sem a estrada de ferro: as tropas não teriam condições de escoar uma ampla produção por grandes distâncias. A implantação da rede ferroviária no final do século XIX, na região, e a valorização do café no mercado mundial, foram fundamentais para a expansão do plantio e do cultivo do grão, que teve o escoamento e a exportação favorecidos pelo transporte ferroviário.
Enriquecida pela produção de gêneros como o café e o fumo, entre o final do século XIX e o início do século XX, acrescida das facilidades no transporte de mercadorias, bens e serviços proporcionadas pelo advento da ferrovia Tram-Road de Nazareth na região, a elite econômica e política estava em condições de acompanhar os modismos da arquitetura; de modo que, nos municípios pesquisados, ainda resistem alguns belíssimos exemplares de uma arquitetura onde a presença de ornamentos caracterizados por elementos decorativos, como estuques em temáticas florais, volutas e outros símbolos, ganham importância nas fachadas, demonstrando status social e as relações de poder.
A maioria dos imóveis catalogados pertence, ou pertenceu, a famílias e grupos sociais privados que detinham o poder político e econômico na região. Em alguns destes municípios, muitos imóveis foram apropriados pelos poderes públicos, a exemplo das estações ferroviárias que, com a desativação da ferrovia, foram adaptadas para atividades do setor público municipal ou estadual, tais como: cadeia pública, escolas ou centros administrativos, como prefeituras e secretarias municipais.
O levantamento arquitetônico realizado através dos imóveis catalogados versa sobre uma arquitetura onde coexistem variadas técnicas, programas e estilos. Por meio da análise, principalmente das fachadas, do corte dos vãos, dos elementos decorativos, das platibandas, frontões ou beirais e da distribuição do imóvel na dimensão do terreno, foi possível identificar imóveis que remetem a influências do período e estilo colonial, neoclássico, eclético e, ainda, Art déco. Desse modo, observa-se que a arquitetura, assim como tudo que perpassa por ações humanas, não é estática, e ao longo do processo de formação e desenvolvimento das cidades pesquisadas, passou por variações.
O patrimônio material, aqui representado pela arquitetura, é importante espaço de preservação da história, pois possui íntima relação com os aspectos econômicos, sociais e culturais que marcam cada sociedade. No campo sociocultural, esses edifícios são lembrados pelos indivíduos como espaços de acontecimentos e de vivências, ou mesmo como parte da paisagem local que permite o reconhecimento do lugar, tornando a cidade um tipo de escrita, às vezes construída por fragmentos, mas que figura uma leitura, onde as marcas da história ficam nos caminhos percorridos pelos indivíduos, nos traçados de suas ruas, nas concepções de suas praças, experimentadas por tantas gerações.
Os imóveis onde se reside, trabalha, estuda e que compõem o cenário no qual a população transita e dialoga no dia-a-dia, são testemunhos da história da comunidade, simbolizam o “saber fazer” da ocasião em que foram edificados e fazem parte do cotidiano das pessoas. Essas construções se entrelaçam na vida e nas experiências dos indivíduos, e se tornam “lugares de memória”, representações não só de um jeito de viver, como de um modo de ser que, resistindo por décadas ou séculos, fazem parte da vida de gerações contemporâneas e passadas, são heranças deixadas que interligam as pessoas entre o passado edificado e o dinâmico mundo atual.

(Fonte: www.bahiacomhistoria.ba.gov.br)




[1] Este projeto foi contemplado pelo Edital nº 29/2012 – Patrimônio Cultural, Arquitetura e Urbanismo da Secretaria de Cultura do Estado da Bahia, sendo executado com apoio financeiro: IPAC, Fundo de Cultura, Secretaria da Fazenda, Secretaria da Cultura, Governo do Estado da Bahia.
[2] Graduada em história pela Universidade Estadual do Estado da Bahia – UESB, atuou como pesquisadora e produtora do projeto.

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