quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

Eis a questão: quem é Deus? Pergunta capciosa e hermética envolta em infindas e nebulosas respostas. Prezado Leitor, a priori, informo-te que não tenho a mínima pretensão em responder a questão supracitada. Ademais, alerto que o termo “Deus” no título do artigo não quer dizer unilateralmente a vertente monoteísta, mas o conjunto de forças plurais e teogônicas que explicam a gênese da vida em várias civilizações. Desde os tempos imemoriais, o ser humano foi acometido pelo vazio da existência na busca tresloucada por explicações sobre seu nascimento. As primeiras conjecturas míticas surgiram com a incumbência de ocupar as lacunas da origem da vida. Portanto, o mito teve e tem um papel original em prol de explicações enveredadas ao mistério da existência.
Há incontáveis narrativas míticas que vislumbram definições de Deus, porém centralizarei a abordagem na narrativa mais comum no Ocidente, a judaico-cristã. No 1º versículo da Bíblia, – “No princípio, Deus criou o céu e a terra.” ­– Deus é o Próprio Princípio, o Criador de todas as coisas, o Alfa, o Primeiro, logo não há nada antes de Deus. Os judeus resolveram de forma muito simples e lógica o problema ontológico da genealogia: Deus é o Princípio Original. A origem de tudo remonta ao Primeiro Criador. Qualquer criatura sempre retorna ao Princípio Original. Na tradição judaico-cristã, Deus é Onisciente, Onipresente e Onipotente. Inspiremo-nos no Sl 147:5: “Nosso Senhor é grande e poderoso, e a sua sabedoria é sem medida.” Este versículo nos aponta o grandioso poder de Deus e Vossa desmesurada sabedoria. Deus é definido como Sábio Supremo e Onipotente, o Único dotado do dom da criação.
Na contramão da tradição judaico-cristã, Friedrich Nietzsche trouxe uma reflexão filosófica deveras explosiva sobre Deus. No contexto histórico do renomado filósofo alemão, o século XIX, surgiu uma série de fatos e ideias que abalaram as bases do cristianismo: a afirmação da ciência, a publicação da obra A Origem das Espécies de Charles Darwin, a expansão da industrialização maximizada pela absorção de novas descobertas das ciências naturais, o ateísmo de Schopenhauer, o niilismo de Dostoiévski, etc. Nietzsche inverteu o versículo 26 do Gênesis, ao propor que o homem criou Deus a sua imagem e semelhança, tendo como consequência o aprisionamento da humanidade a um idealismo que projetou causas imaginárias como modelos incontestes e absolutos, entre os quais, “Deus”, “alma” e “espírito”. Consoante o pensamento de Nietzsche, Deus é um ente metafísico projetado pela imaginação humana, por sua vez, a tradição judaico-cristã é uma teologia imaginária que posicionou uma entidade abstrata perfeita como a causa de todas as coisas.
Além de Nietzsche, Darwin também caminhou na rota de colisão à tradição judaico-cristã. Na teoria da evolução das espécies, o cientista inglês propusera que o ser humano é apenas o resultado de um processo evolutivo, abordagem que tramita no polo diametralmente oposto ao Gênesis, cujo homem é um ser criado por Deus. Curiosamente, Nietzsche e Darwin tiveram uma base cristã, o primeiro, filho de pastor e rígida educação luterana na infância, o segundo, na sua viagem no Beagle até as Ilhas Galápagos, trazia a Bíblia consigo. Apesar de termos visões paradoxais de mundo, é possível efetuar certas analogias. O Zaratustra, personagem clássico da obra-prima de Nietzsche Assim falava Zaratustra, tem uma trajetória de vida semelhante à de Cristo. Na teoria de Darwin, o homem e os demais seres vivos evoluíram a partir de um ancestral comum; na tradição judaico-cristã, a humanidade também tem o ancestral comum (Adão).
É válido enfatizar, que o conhecimento mítico-religioso tem a mesma importância do conhecimento filosófico-científico, por conseguinte, não deve existir hierarquização epistemológica. Não devemos cair na armadilha que a filosofia e a ciência são superiores à religião, neste sentido, a equidade é extremamente positiva. A filosofia e a ciência não anulam a religião e vice-versa, afinal são complementares; por sinal, há pouco tempo, o Papa Francisco defendeu a convergência entre o criacionismo e o evolucionismo. Vejamos um ponto convergente. Sabe-se, que para a ciência, a vida surgiu na água. Na filosofia, segundo Tales de Mileto, a água é o princípio monista que deu origem à vida. Na Bíblia, os primeiros seres concebidos por Deus foram aquáticos: “Deus disse: ‘Que as águas fiquem cheias de seres vivos e os pássaros voem sobre a terra, sob o firmamento do céu.’ E Deus criou as baleias e os seres vivos que deslizam e vivem na água [...].” (Gn 1:20-21)
Enfim, voltemos à indagação inicial. Reforço o que destaquei no preâmbulo do artigo que não tenho intenção em responder tal questão, por um motivo óbvio: Deus é Indefinível. O mistério de Deus é tão incognoscível que o intelecto humano é incapaz de defini-lo. Simplesmente, a capacidade cognitiva do ser humano não consegue abstrair sobre a verdadeira natureza de Deus. As definições existentes são lampejos simplórios do Supremo Soberano do Universo. A inteligência humana é inabilitada para conceber uma conceituação de Deus. Nem uma assembleia hipotética composta por Platão, Descartes, Salomão, Newton e Einstein conseguiria cunhar um conceito sobre Deus. O tempo passou, passa e passará, e a humanidade jamais conseguirá responder a mais enigmática e complexa de todas as perguntas: Quem é Deus?


Tosta Neto, 22/02/2017  

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