quarta-feira, 1 de março de 2017

Crítica à alienação carnavalesca esconde incompreensão sobre o Brasil

Há outros 361 dias para lidar com o que de fato é sério
Ninguém faz política de maneira formal nesta época
Em artigo, Alberto Carlos Almeida defende os festejos

Nada mais importante nestes dias de Carnaval do que a sociedade. Foi a sociedade quem o inventou e o mantém vivo, aliás, a julgar pelo que vem acontecendo em São Paulo, mais vivo do que nunca. Trata-se de um período único na vida dos brasileiros. Algo que acontece anualmente, durante uns poucos dias, 4, a rigor. Essa coisa de carnaval todo dia da Bahia, de semana do pré-Carnaval, de blocos durante toda a quarta-feira de cinzas, nada disso é Carnaval. Ele dura somente 4 dias, de sábado a 3ª feira, adentrando pela madrugada de 4ª. É neste período que se torna normal andar fantasiado nas ruas. Tão normal que você nunca está sozinho, sempre há dezenas de outras pessoas fantasiadas, indo ou vindo de um bloco, dentro de um supermercado comprando algo para comer ou beber, em bares e restaurantes celebrando a alegria com amigos ou familiares.
É neste período de 4 dias que escasseiam as notícias de política. Ora, ninguém faz política no Carnaval, ao menos de maneira formal. É muito estranho, por exemplo, receber notícias sérias em grupos de Whatsapp no Carnaval. Elas ficam inteiramente fora de contexto. Poucos querem saber da situação dos negócios ou da política, não é momento de pensar disso. Ao contrário, é momento de se alienar. Há os críticos à direita e à esquerda, que atacam o carnaval justamente em sua capacidade de nos alienar da assim chamada realidade. Esta crítica, na verdade, esconde uma grande incompreensão acerca do Brasil e, porque não dizer, da criatividade humana e social. Não faz a menor diferença para o desenvolvimento de um país afastar-se por apenas 4 dias da realidade com a nobre finalidade de festejar a alegria. Haverá 361 dias para lidar com as coisas sérias.
O carnaval é um período de exceção. São nestes poucos dias que fazemos inúmeras coisas que jamais faríamos ou faremos no decorrer do ano. Andar pelas ruas fantasiados é uma delas. Não ler o escasso noticiário político e econômico é outra. Os mais jovens bem sabem tantas outras coisas que são feitas, com muita facilidade, somente no carnaval. É quando nós, brasileiros, ou ao menos certamente todos aqueles que se envolvem diretamente na produção da festa, juntamos explicitamente o trabalho e o prazer. O emblema maior deste fenômeno é encarnado naquele que desfila em baterias de escolas de samba, eles não sabem se estão trabalhando ou se divertindo. Estão fazendo as duas coisas.
O carnaval é tão prazeroso em seu aspecto de alienação que há dezenas de músicas enaltecendo o desejo de que a vida inteira fosse um eterno carnaval. Ora, é justamente porque a vida não é assim que o Carnaval é tão bom. Do jeito que ele é, do jeito que nós e o mundo o conhecemos, ele é uma invenção brasileira. Seria uma jabuticaba se a ele nos referíssemos de forma pejorativa.
Há com certeza brasileiros que não gostam de Carnaval, como também há cristãos que não gostam do período de Natal, norte-americanos que não gostam do feriado de ação de graças, ou franceses que não gostam do 14 de julho. De toda sorte, gostando-se ou não dele, o Carnaval faz, no dizer de Roberto Da Mata, o Brasil ser Brasil. É útil que nos vejamos como somos. Com nossas virtudes e defeitos, mas, acima de tudo, com nossas especificidades. Olhar de frente o que nos torna específicos, compreender isto sem julgar, ajuda, e muito, a construir expectativas realistas acerca do Brasil.

(Texto de autoria de Alberto Carlos Almeida / Fonte: Poder 360)

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