sexta-feira, 23 de junho de 2017

"Origens dos Festejos Juninos" por Tosta Neto

O mês de junho é o mais aguardado e festejado no Nordeste. É o tempo de celebrar Santo Antônio, São João e São Pedro. Os festejos juninos representam a força da cultura popular brasileira, cujas raízes estão entranhadas num solo fertilizado de tradição, símbolos e espontaneidade. Mesmo com a absorção da indústria cultural e a ocorrência de grandes shows de “artistas da moda”, como os sertanejos universitários, o São João conserva a tradição de homenagear os santos juninos e cantarolar as músicas de Luiz Gonzaga, este sim, personifica a autenticidade da música junina e nordestina.
As festas juninas são deveras populares, porém poucos conhecem as suas origens. Os festejos supracitados têm sua gênese na era pré-cristã, com a celebração da fertilidade da terra e das boas colheitas. As festas pagãs de culto à fertilidade tinham como ápice o solstício de verão, 24 de junho, justamente a data que viera a ser o dia de São João. Alguns registros históricos atestam que os celtas e os egípcios realizavam rituais no solstício de verão enveredados à fertilidade da terra. Ademais, anteriormente ao advento dos portugueses em 1500 no Brasil, os índios já dinamizavam rituais agrícolas no mês de junho. Portanto, os festejos pré-joaninos estavam enlaçados à fertilidade da terra, haja vista a importância primordial da agricultura nas civilizações antigas, entre as quais, Egito, Mesopotâmia, Índia e China.
As celebrações pagãs perduraram até o século X; a Igreja tentou veementemente combatê-las, contudo diante da ausência de resultados contundentes, a instituição mais poderosa da Idade Média as absorveu. A cristianização do ritual pagão de fertilidade resultou nos festejos joaninos. Subsequente, Santo Antônio e São Pedro vieram a dividir espaço com São João nas celebrações no mês de junho. É categórico que a fusão entre rituais pagãos e elementos cristãos dera origem às festas juninas. Vale enfatizar, que os rituais pagãos não se apagaram e apresentaram tenaz resistência na Baixa Idade Média, apesar das incontáveis investidas da Igreja Católica. Uma vez mais, a história nos aponta o rico intercâmbio cultural entre o paganismo e o cristianismo, mas o senso comum de certos historiadores tende a abordar numa perspectiva negativa o intercâmbio em questão, delegando ao cristianismo o papel de exterminador da cultura pagã. Particularmente, prefiro a ótica equitativa de permuta cultural.
Introduzido pelos portugueses no período colonial, o São João ocorre em todo o Brasil, mas é na Região Nordeste que atinge sua maior expressão. A cultura e os ícones nordestinos foram inseridos nas festividades juninas, ou vice-versa. Nas canções joaninas, sobretudo na obra do “Rei do Baião”, caracteres da nossa região são delineados: seca, mandacaru, Asa Branca, sertão, etc. Os festejos juninos nos concedem uma explosão de cores e cheiros: tecido de chita, fogueira, comidas típicas, bandeirolas, fogos de artifício... No São João, fazendo jus à tradição de culto da fertilidade, é época de agradecer aos santos juninos pela colheita do milho e do amendoim. Um símbolo marcante do São João é a fogueira; desde os rituais pagãos e indígenas costumava-se acender a fogueira para expressar gratidão aos deuses da natureza pelas colheitas abundantes. No São João, a fogueira adquiriu uma conotação religiosa. Conforme a tradição cristã, Santa Isabel disse à Virgem Maria que acenderia uma fogueira para avisá-la sobre o nascimento de seu filho São João Batista.   
Incontestavelmente, os festejos juninos são patrimônio cultural da humanidade. Apesar dos tresloucados tempos virtuais e consumistas, a tradição junina resiste incólume, principalmente no interior. Diferente do Carnaval, o São João é a genuína festa de interior. Não posso deixar de reverberar sobre o tétrico “São João Espetáculo”, mera invenção da cultura massificada, uma espécie de carnavalização do São João com artistas midiáticos que não honram o legado de Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro e Dominguinhos. O “São João Espetáculo” traz “grandes” shows, megaestruturas e repertório vinculado à pobre miscelânea sonora das FMs.
A amarga cidade da Bahia, que agora tem a alcunha de “Amor pelo Forró” (convenhamos, um amor artificial e fugaz), também se rendeu ao “São João Espetáculo”. Prezado Leitor, pode anotar aí: no Bosque, cansaremos de ouvir a top list (Infiel, Medo Bobo, Meu Violão e o Nosso Cachorro... Aff!) do sertanejo universitário. Todavia, outras músicas estão eternizadas no Panteão da Música Brasileira, como Asa Branca, Morena Bela e Eu só quero um xodó. Onde estiver um trio de sanfoneiro, zabumba e triângulo, o espírito junino continuará vivo. A fogueira joanina jamais será apagada. Onde estiver um nordestino, a fogueira de São João Batista continuará a iluminar e aquecer as noites frias de junho. Nunca deixaremos de ouvir “Viva São João”...


Tosta Neto, 23/06/2017 

2 comentários:

  1. Como sempre Tosta Neto dando um banho de cultura e conhecimento.
    As festas Juninas estão e estarão para sempre no nosso mundo, apesar do invasão de outros elementos que tentam se introduzir na melhor festa do ano.
    Portanto, como o grande mestre Tosta disse no final do texto:
    Viva a São João.

    ResponderExcluir

CURTA!